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Brasil, o País da Matemática. Para todos?
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Brasil, o País da Matemática. Para todos?

Brasileiros levam prêmios mundiais. Mas milhares acabam escola sem saber contas

Luciana Alvarez, especial para o Estadão, O Estado de S.Paulo

19 de outubro de 2020 | 05h00

O Brasil é um país cheio de contradições, e uma das muitas está na Matemática. Há matemáticos formados no País que se tornam referência internacional na área. E há milhares de jovens que terminam a escola incapazes de fazer as operações básicas do dia a dia.

Do lado do destaque positivo, em 2014 Artur Avila ganhou a Medalha Fields, equivalente ao Prêmio Nobel da Matemática, por seu trabalho numa área conhecida como sistemas dinâmicos. Ele foi o primeiro pesquisador da América Latina a conquistar essa medalha.

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Artur Avila ganhou medalha equivalente ao Nobel Foto: Walter Craveiro

A carreira de Avila é considerada como “meteórica” – e começou cedo. Aos 16 anos, o então estudante ficou com uma medalha de ouro na Olimpíada Internacional de Matemática. Ainda no ensino médio, em apenas um ano concluiu seu mestrado no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Aos 29 anos, o brasileiro se tornou a pessoa mais nova a assumir a direção de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisas Científicas de Paris. 

Mas Avila não está sozinho. Outros matemáticos brasileiros premiados internacionalmente são Jacob Palis, Marcelo Viana, Enrique Pujals, Fernando Codá Marques e Eduardo Teixeira. Em 2018, o País foi aprovado para entrar para o Grupo 5 da União Internacional de Matemática, que reúne a elite mundial da área. Apesar do nome, são dez países que participam do grupo além do Brasil: Alemanha, Canadá, China, Estados Unidos, França, Israel, Itália, Japão, Reino Unido e Rússia.

Ao que parece, o caminho do sucesso matemático vai continuar a ser trilhado pelas novas gerações do País. Com uma medalha de ouro e cinco de prata, a equipe brasileira na Olimpíada Internacional de Matemática deste ano ficou em 10.º lugar, a melhor colocação geral já obtida pelo Brasil

Deficiência

Há um outro Brasil, no entanto, bem menos brilhante. O maior estudo sobre educação do mundo, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), mostrou que o País vai mal em várias frentes, mas especialmente na Matemática. Mais de 68% dos estudantes brasileiros, com 15 anos de idade, não possuem nível básico de conhecimento na disciplina – em ciências, são 55%; em leitura, 50%. 

Para Edda Curi, coordenadora da pós-graduação em Ensino de Matemática da Universidade Cruzeiro do Sul, o destaque nas olimpíadas e em outras premiações diz pouco sobre a realidade do País. “O Brasil tem destaque em todas as áreas, nos esportes, na música. Mas nós temos uma quantidade imensa de jogadores de futebol e só um ou dois chegam a ter sucesso. O mesmo se dá nas ciências e na Matemática”, afirma a especialista.

Ela defende, portanto, que o fundamental é que todas as crianças e jovens tenham garantido seu direito a aprender uma matemática útil para sua vida. “Tem de ser uma matemática que permita a cada um agir como cidadão na sociedade”, diz. 

Essa concepção de uma matemática para a cidadania pode parecer estranha para os pais das crianças que estão hoje começando na escola, uma geração que aprendeu a seguir um modelo e treinar cálculos. “Nos últimos anos, a Matemática vem sofrendo uma transformação na abordagem. As aprendizagens têm de ter significado, ajudar a compreender o mundo em que vivemos”, explica. Isso significa que, em vez de treinar como usar a fórmula do Teorema de Pitágoras, a ênfase tem de ser em testar, investigar e compreender o teorema. 

Não se trata de jogar no lixo toda a tradição da educação, abandonar o cálculo com lápis e papel em favor da calculadora. “Mas o foco não deve ser saber fazer divisão ou tabuada. A Matemática hoje serve para a gente olhar para a imensidão de dados que existem e saber analisar, selecionar, inserir em um gráfico, compreender a ordem de grandeza”, diz Edda.

Temos muitos jogadores de futebol e poucos fazem sucesso. É igual na Matemática. Ela tem de servir para ser cidadão

Edda Curi, coordenadora da pós em Ensino de Matemática da Cruzeiro do Sul

Olimpíadas em vez de vestibular para públicas

As três universidades públicas do Estado de São Paulo passaram a aceitar bons resultados em olimpíadas de conhecimento como forma alternativa de ingresso. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) foi a primeira que abriu essa possibilidade, em 2018. Para o próximo ano, serão oferecidas 116 vagas, em 29 opções de cursos. Os candidatos ficam dispensados de prestar o vestibular tradicional. Podem se inscrever alunos de escolas públicas e privadas, que sejam medalhistas ou tenham ótimo desempenho em competições de conhecimento do ensino médio, como as Olimpíadas de Matemática, Biologia, Física, Química, História e Robótica. Cada candidato pode escolher até dois cursos, em primeira e segunda opção.

Em 2019, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp) seguiram a tendência: destinaram vagas especiais para estudantes que se destacam nas olimpíadas acadêmicas. Para o próximo ano letivo, a Unesp criou 191 vagas adicionais para os medalhistas, em mais de 30 cursos, sobretudo nas engenharias. Na USP, por causa da pandemia, o processo seletivo via olimpíadas para 2021 foi suspenso, mas a intenção é que seja retomado nos anos seguintes. No ano passado, a universidade teve 113 vagas em 60 cursos, a maioria em engenharias e faculdades de Exatas.